Produtores de leite devem atentar novas instruções normativas do MAPA
- 30/05/2019
“Não é possível melhorar a qualidade do leite após a ordenha. O melhor que podemos fazer é evitar que a qualidade do leite se perca no caminho entre o úbere e o consumidor.” É com esta afirmação do pesquisador João Walter Dürr que a engenheira agrônoma Patrícia Simon inicia a reflexão sobre as novas normativas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em relação à produção e industrialização de leite.
Patrícia, associada da Unitec, também é pós-graduanda em Produção de Bovinos de Leite, mestranda em Desenvolvimento Rural e atua no projeto Assistência Técnica e Gerencial de Bovinocultura Leiteira do Senar-RS. Ela relembra as instruções normativas que estavam em vigor até então. Em 2002, a Instrução Normativa 51, publicada pelo MAPA, regulamentou a produção, identidade, qualidade, coleta e transporte do leite A, B, C, pasteurizado e cru refrigerado. Esta norma entrou em vigor em 1º de julho de 2005 nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e em 2007 nas regiões Norte e Nordeste. Em 29 de dezembro de 2011 foi publicada a instrução Normativa 62, que substituiu a IN 51, alterando basicamente o cronograma que rege os parâmetros de qualidade do leite.
“A IN 51 estabelecia a obrigatoriedade da refrigeração do leite cru na propriedade e durante seu transporte. Esta também possibilitou e padronizou a diferenciação por teores de gordura no leite pasteurizado, assim como estabeleceu padrões para a quantidade de células somáticas que não era contemplada pela legislação anterior. Ela extinguiu o leite tipo C e em seu lugar foi instituído o leite refrigerado, mas que obedecia aos padrões mínimos de qualidade. Desta forma, a principal diferença entre a IN 51 para a IN 62 encontra-se nos padrões mínimos de qualidade do leite, enfatizando índices para Contagem Bacteriana Total (CBT), que reflete a higiene na ordenha e armazenamento, e padrão para Contagem de Células Somáticas (CCS), indicativo de sanidade da glândula mamária”, afirma.
Já a Instrução Normativa 62 determina que amostras do leite de cada propriedade devam ser enviadas pela indústria para serem analisadas na Rede Brasileira de Laboratórios de Controle de Qualidade do Leite (RBQL). Os resultados das análises são entregues a cada produtor, assim ele fica sabendo o que deve fazer para eliminar o problema encontrado. As análises realizadas no leite são a Contagem Bacteriana Total (CBT), que indica a contaminação do leite por bactérias: quanto menor a contagem, maior rigor higiênico existiu nas etapas de obtenção do leite. A Contagem de Células Somáticas (CCS) é a quantidade de células presentes no leite, sendo uma parte proveniente do tecido interno do úbere e outra, de células de defesa do animal: quando as bactérias causadoras da mamite atacam o úbere, as células de defesa passam do sangue para o úbere para combater essas bactérias. Quanto mais intenso for o ataque destas bactérias, causadoras de mastite, maior será a contagem de células somáticas no leite. E a determinação dos teores de gordura, lactose, proteína, sólidos totais e sólidos desengordurados: a análise destes componentes é feita porque eles são responsáveis pelo valor nutritivo do leite. Quanto maior a quantidade destes componentes, maior será o rendimento na fabricação dos derivados de leite e melhor poderá ser a qualidade dos produtos produzidos com ele. Vacas mal alimentadas e com mamite, falta de higiene na ordenha e refrigeração malfeita são fatores que provocam alteração na quantidade desses componentes.
Como controlar a CBT em propriedades leiteiras?
Patrícia destaca algumas ações que podem ser realizadas pelo produtor de leite a fim de controlar a Contagem Bacteriana Total (CBT) nas propriedades. As primeiras são o manejo da ordenha e limpeza da sala de ordenha. Ordenhar tetos limpos, secos e bem estimulados e fazer uma boa higiene antes da retirada do leite diminuem as chances de contaminação, sendo que a contaminação do aparelho mamário pode ser fator determinante para resultados insatisfatórios de Contagem Bacteriana Total.
Outro ponto que merece atenção é a limpeza dos utensílios e equipamentos de ordenha e organização das instalações. “A limpeza correta dos utensílios e equipamentos da ordenha auxilia na produção de leite com qualidade. O leite ordenhado mecanicamente deixa resíduos nas tubulações por onde ele passa, e esses resíduos podem ser uma das fontes de contaminação para o leite, aumentando a CTB”, acrescenta.
O resfriamento adequado do leite deve ser feito tanques refrigeradores por expansão (4°C) em até três horas após a ordenha. Além disso, deve ocorrer uma manutenção e revisão periódica do equipamento de resfriamento do leite. E sobre o tempo de armazenamento do leite na propriedade, a engenheira agrônoma explica que a manutenção do leite na propriedade por longos períodos permite a multiplicação de bactérias. Por isso a legislação exige que o leite seja beneficiado em no máximo 48 horas.
Segundo Patrícia, cada microrganismo exige um cuidado diferente. “A dica é identificar que tipo de microrganismo está lidando, para então saber como agir. Outra questão é que eles precisam de temperatura e alimento. Temperatura morna e leite são tudo que eles precisam para desenvolver; por isso a importância da refrigeração e da higienização adequada.”
Causas relacionadas com aumento da CCS
Dentre as causas para o aumento da Contagem de Células Somáticas (CCS), pode-se citar a mastite clínica e subclínica. Patrícia explica que a infecção da glândula mamária é o fator que mais afeta a CCS do leite. Vacas livres de infecção apresentam CCS significativamente menor do que as vacas infectadas.
Em lactações normais, sem mastite clínica ou subclínica, a curva de CCS normal é a seguinte: após o parto, a CCS apresenta índices mais elevados e com 50 dias de lactação diminui para o nível mais baixo, voltando a ter leve aumento ao fim da lactação. Esse aumento se deve à concentração do número normal de células somáticas em um menor volume de leite.
Sobre a idade da vaca, a razão básica pela qual a vaca mais velha possui CCS maior deve-se à sua maior chance de ser infectada, devido à prolongada exposição aos agentes causadores de mastite, considerando inclusive a possibilidade da evolução para casos crônicos.
As condições ambientais e época do ano também influenciam. De acordo com a profissional, os climas quentes e úmidos, associados ao ambiente em condições precárias de higiene, proporcionam uma maior proliferação dos microrganismos, levando a uma maior exposição das vacas aos agentes causadores de mastite. “A presença de células somáticas não representa ou relaciona-se somente com a qualidade do leite e sanidade da glândula mamária. Ela também está associada diretamente com a saúde que apresenta o rebanho leiteiro.”
Como diminuir CCS em propriedades leiteiras?
Patrícia ensina que higiene na ordenha é essencial para a diminuição da CCS. “Seguir uma rotina adequada no momento da ordenha poderá garantir a obtenção de um leite seguro e de qualidade, além de prevenir a ocorrência de mastite. Os equipamentos de ordenha podem se tornar um fator importantíssimo na contribuição da permanência ou incidência de mastite quando não se encontram em boas condições de trabalho. Para tanto, devem-se fazer manutenções conforme as instruções do fabricante, como a regulagem de vácuo e sistema de pulsação”, acrescenta.
É importante realizar a identificação das vacas com CCS alta. A forma mais aplicável nas propriedades é a realização do teste CMT, também conhecido por teste da raquete. Além disso, a realização de análises laboratoriais também permite a identificação. Juntamente com estas ações, são de extrema importância as ações de manejo realizadas na propriedade, como permitir que as vacas tenham acesso a piquetes limpos diariamente, áreas de sombra e acesso livre à água limpa, que podem garantir excelentes condições de bem estar que contribuem diretamente para a sanidade do rebanho.
Novas normativas entram em vigor em 30 de maio
A partir de 30 de maio, passam a vigorar duas novas instruções normativas, que ampliam o grau de exigência das áreas produtiva e industrial do setor lácteo. As instruções normativas 76 e 77 foram publicadas na edição do dia 30 de novembro de 2018, no Diário Oficial da União, quando o MAPA fixou novas regras para a produção de leite no país, especificando os padrões de identidade e qualidade do leite cru refrigerado, do pasteurizado e do tipo A.
A Instrução Normativa 76 trata das características e da qualidade do produto na indústria e na Instrução Normativa 77 são regulamentados todos os critérios para obtenção de leite de qualidade e seguro ao consumidor e que englobam as etapas de acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos. Também enfatiza a importância do acompanhamento veterinário e do correto manejo sanitário do rebanho. Patrícia diz que vale salientar que a IN 77 prevê a substituição total dos resfriadores de imersão, sendo permitida a utilização de apenas dois sistemas de refrigeração: os resfriadores de expansão direta e/ou os resfriadores a placas.
Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em relação à identidade e qualidade, foi mantida a contagem bacteriana máxima de 300 mil unidades formadoras de colônia (UFC/mL) e o limite de contagem de células somáticas (CCS) em 500 mil CS/Ml, no caso do leite cru refrigerado. O produto não deve apresentar substâncias estranhas à sua composição, como agentes inibidores do crescimento microbiano, neutralizantes da acidez nem resíduos de produtos de uso veterinário.
Desafios da assistência técnica
Patrícia destaca que, por meio de diversos projetos de assistência técnica às propriedades de leite, tem-se como objetivo o trabalho diário da conscientização dos produtores da importância de produzir leite de qualidade, uma vez que a produção de matéria-prima de boa qualidade resulta em maior rendimento e qualidade dos inúmeros derivados lácteos produzidos pelas indústrias.
É fundamental que o produtor considere a importância dos hábitos e cuidados higiênicos na exploração leiteira, pois não são apenas tecnologia, instalações, equipamentos modernos e produtos químicos revolucionários que garantem a produção de leite de qualidade. Para ela, a qualidade do leite deve estar presente na consciência e ações do produtor, funcionário ou envolvido responsável de todo o processo em todas as etapas, do início ao fim.
“Para se produzir um leite de qualidade, é preciso entender o que é um leite de qualidade e como avaliar esta qualidade. Cada análise realizada tem uma razão para ser feita e fornece informações importantes que devem ser utilizadas para tomar decisões. A dica é monitorar sempre os resultados obtidos, avaliar o que deu certo e o que não deu e agir o mais rápido possível”, finaliza a engenheira agrônoma.
Fonte: Assessoria de comunicação Unitec - Jaqueline Peripolli
Foto: Arquivo pessoal